O santa-mariense Luiz Alberto Cassol, eleito presidente do Conselho Nacional de Cineclubes, fala das conquistas e dos desafios do movimento cineclubistaÉ a história de uma tradição que começa nos anos 50 do século passado, quando o jornalista, historiador e teatrólogo Edmudo Cardoso (1917-2002) comandava o Clube de Cinema. Nas décadas de 60 e 70, surgiram outros cineclubes organizados por estudantes. Em 1978, chegava o Cineclube Lanterninha Aurélio, da Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria (Cesma), que funcionou em dois momentos até 1995. O “Aurélio” do nome foi uma homenagem ao conhecido lanterninha do antigo Cinema Imperial.
Em 1995, era criado o Otelo Cineclube, que promoveu mostras e seminários, como o 1º Encontro de Cinema de Santa Maria. Entre 2001 e 2002, Santa Maria viu funcionar o Cineclube Porão, criado como extensão das atividades da TV Ovo. E aí, em 2003, o Laterninha voltou, e a Unifra abriu seu cineclube – ambas iniciativas continuam em ação. De lá para cá, a UFSM criou diversas mostras e ciclos de cinema. E a região também se contagiou. Hoje, há cineclubes em Silveira Martins, Santiago, Restinga Seca, Ivorá e Caçapava do Sul.
Esse breve histórico atesta a vocação de Santa Maria e região para o cineclubismo. Além de reunir quem queira ver e discutir cinema, o movimento também estimula o surgimento de novos diretores.
Agora, o cineclubismo local ganha novo capítulo. O santa-mariense Luiz Alberto Cassol foi eleito presidente do Conselho Nacional de Cineclubes (CNC). Pela primeira vez um gaúcho assume a função. Cassol, 41 anos, é diretor, cineclubista, coordenador do Santa Maria Vídeo e Cinema, presidente da Cesma e futuro diretor do Instituto Estadual de Cinema (Iecine).
MIX – Qual a importância do Conselho Nacional de Cineclubes (CNC) para o movimento cineclubista?
Luiz Alberto Cassol – O posicionamento muito claro em questões vitais como a defesa dos direitos do público, a democratização do acesso ao cinema, a valorização da produção nacional e a viabilização do debate e da exibição de cinematografias que não chegam pelo circuito comercial tradicional, que hoje alcança apenas 8% da população. Precisamos pensar também nos outros 92%. E o Conselho Nacional de Cineclubes tem feito isso. Isso é inclusão. É cidadania. É o acesso aos bens culturais.
MIX – Quais conquistas do conselho impactaram no movimento?
Cassol – O CNC é uma das mais importantes entidades do audiovisual brasileiro. Por meio de suas iniciativas, o cineclubismo brasileiro passa por um momento emblemático e único. O mais recente reconhecimento foi a chegada inédita e histórica de um cineclubista brasileiro, Antônio Claudino de Jesus, à presidência da Federação Internacional de Cineclubes (FICC). Projetos como o Cine Mais Cultura e a Programadora Brasil, do governo federal, nasceram de discussões e encaminhamentos com o CNC e o movimento cineclubista. A entrada de integrantes do conselho em várias entidades culturais e cinematográficas, sejam da sociedade civil ou do estado, é outro fator relevante. Exemplos são a participação no Conselho Consultivo da Secretaria do Audiovisual (SAV) e na executiva e no conselho Congresso Brasileiro de Cinema (CBC).
MIX – Como presidente do CNC, qual é a visão de política cultural com que pretende trabalhar?
Cassol – Acredito no coletivo e em formas cooperativas e colaborativas de trabalho. Defendemos o respeito às identidades e às diversidades culturais. Durante o processo que antecedeu a eleição, defendi cinco questões, que marcam de forma mais ampla o que será trabalhado: a defesa dos Direitos do Público; a continuidade e o avanço dos projetos alavancados pelo CNC; manter as parcerias com as entidades do audiovisual brasileiro e manter as parcerias com os poderes públicos municipais, estaduais e federal; valorizar as federações e associações estaduais e trabalhar para que se estruturem, onde não houver estas; e trabalhar com a horizontalização da diretoria com divisão de tarefas para todos os diretores atingindo todas as regiões. O desafio é muito grande, e temos que trabalhar todos juntos.
MIX – Santa Maria e região se colocam de que forma no mapa do cineclubismo?
Cassol – Hoje, temos vários cineclubes na cidade e na região. Mais dois outros cineclubistas daqui, o Télcio Brezolin e o Gilvan Dockhorn, foram eleitos para essa nova diretoria do CNC. Recentemente foi criada a Federação dos Cineclubes do Rio Grande do Sul (Fecirs). Essa criação passou fundamentalmente por aqui, pois tivemos grande participação. Tudo isso corrobora para o respeito e o intercâmbio que temos feito com todo o país. Mas sempre é bom lembrar e ressaltar que isso não começou agora. Iniciou nos anos 50, com o Clube de Cinema de Santa Maria, coordenado pelo teatrólogo Edmundo Cardoso, passa pelo Cineclube Lanterninha Aurélio, criado pela Cesma em 1978, e chega ao Festival Santa Maria Vídeo e Cinema (SMVC) e seu cineclube, criado no início de 2009.
MIX – Como o movimento cineclubista lida com a distinção que o público faz entre cinema de arte e comercial?
Cassol – Depende de como entendemos essa definição. Não fazemos distinção entre este ou aquele cinema. Somos, por natureza, inclusivos. O que queremos e trabalhamos de forma veemente é que possamos ter acesso às mais diferentes cinematografias. O modelo que está posto visa somente a distribuição de uma única cinematografia, de um único local do planeta: Hollywood. Isso representa um único modelo, uma forma hegemônica de manter as telas voltadas apenas para esse modelo. Discordamos frontalmente disso. Mas essa forma está passando por uma transformação radical. Está ultrapassada. Estamos tendo cada vez mais acesso a outras formas estéticas e narrativas de contar histórias através de imagens. Portanto, a diversidade faz com que o público possa cada vez mais assistir a cinema, de qualquer parte do planeta. É imprescindível dizer aqui de nossa continuidade das lutas pelo aumento da cota de tela para o cinema brasileiro e da criação de cotas para a produção independente em todas as janelas e plataformas.
MIX – De que forma o CNC se coloca diante do mercado e da questão dos direitos autorais e de exibição e reprodução?
Cassol – Defendemos os direitos do público ao debate e à fruição da obra cinematográfica. São inúmeros os cineastas que entendem perfeitamente a importância do cineclubismo para a valorização de suas obras. Muitos, inclusive, estão lançando suas obras primeiramente em cineclubes, pois entendem a repercussão que suas obras terão tendo sua trajetória iniciada em um cineclube. Não visamos lucro e não ferimos nenhum direito. Tornamos públicas todas as nossas atividades e destacamos sempre os autores das obras. Temos grande interlocução com outras entidades do cinema que sabem do trabalho sério que desenvolvemos. Seguiremos realizando em todo o país debates e exibições de filmes sempre respeitando e valorizando os autores das obras ao mesmo tempo que defendendo e entendendo a importância vital e histórica do cineclubismo para com a arte cinematográfica.
MIX – De que maneira o movimento cineclubista contribui para a formação de público?
Cassol – A própria natureza de nossa atividade responde a essa questão. Promovemos a universalização do acesso do público aos bens culturais. Hoje, por exemplo, temos dezenas de cidades no país que só têm contato com obras audiovisuais em uma tela grande por meio de cineclubes. E isso faz com que esse público busque mais obras, seja em videolocadoras dessas cidades, seja em outras sessões cineclubistas. Temos um imenso novo público que está vindo dos cineclubes. Isso é irreversível e emocionante. E essa nova formatação, com a valorização da atividade cineclubista na cadeia cinematográfica, tem sido destacada por todos da área.
MIX – No movimento cineclubista, percebe-se um trabalho de mediação a códigos mais sofisticados do cinema.
Cassol – A atividade cineclubista, por essência, pressupõem uma apresentação antes da exibição e um debate após. Isso não significa decodificar filmes. Significa deixar que o público se aproprie de diferentes formas de assistir ao cinema, seja para a reflexão, entretenimento, ou tudo isso somado.
MIX – Como o cineclubismo incentiva a produção audiovisual?
Cassol – Muitos realizadores tiveram sua formação cinematográfica nos cineclubes. Vou ficar apenas em alguns exemplos. Um dos maiores movimentos internacionais do cinema dos anos 60, a Nouvelle Vague, nasceu dentro dos cineclubes franceses com críticos de cinema que faziam à revista Cahiers du Cinéma e que passaram a produzir cinema. Daí surgem cineastas como Jean-Luc Godard e François Truffaut. Aqui no Brasil, no mesmo período, o movimento Cinema Novo também reflete a atividade cineclubista. Somado a isso, destaco que cineastas como Nelson Pereira dos Santos, João Batista de Andrade, Carlos Reichenbach, Rosemberg Cariry, Geraldo Moraes, entre outros, sempre citaram suas atividades cineclubistas. Hoje, são inúmeros os realizadores que exibem seus filmes em cineclubes. Existe uma nova geração de cineclubistas/realizadores refletindo e produzindo muito.
francisco.dalcol@diariosm.com.br
FRANCISCO DALCOL
Publicado em http://www.clicrbs.com.br/dsm/rs/impressa/4,1304,3168538,16260
08/01/2011 | N° 2707IDEIAS
‘Acredito no coletivo’
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